Tinha seus vinte e tantos anos e não havia matado ainda seu primeiro dragão. Tinha seus vinte e tantos e não havia tido, na verdade, sequer um emprego de verdade. Não era rico nem pobre, não era bonito nem feio, não explorara ninguém, mas jamais vivera pelos seus próprios recursos. Por toda a vida se mantivera protegido e inofensivo, distraído por perenes obrigações arbitrárias e pequenas diversões, mantendo-se permanente embrião do que podia vir a ser.
Não tinha deixado qualquer marca, qualquer cicatriz no mundo ou em si mesmo, que justificasse sua passagem pela terra, pela cidade ou por este momento - e tinha maior e mais aguda consciência disso do que os que o lembravam vez por outra dessa sua insignificância. No fim das contas era apenas um jovem carvalho que, apesar de resistente, seria facilmente ignorado entre as demais espécies do bosque.
Não lhe havia sido reservada ainda a glória menor da decadência, da enfermidade, da cegueira. Era desgraçadamente saudável, generoso, criativo e inteligente, mas ainda sem pátria e sem chão. Seu horizonte não tinha destino, não tinha reviravolta, não tinha nada.
Num outro tempo, numa terra em que houvesse espadas e monstros, teria sido o guerreiro mais ágil e mais temido da sua tribo. Amado pelas mulheres, respeitado pelos homens, o herói das lendas das crianças. Mas seu mundo inconcebível era o nosso e aqui todos ignoravam sua força, até mesmo ele.
Ancorado em suas impermanentes convicções que sempre ruíam diante da peneira das vaidades, tornando-se nada além de uma névoa de nadas, sem sucesso, sem estímulo e sem qualquer reconhecimento, não conhecia saída, não lhe sobrava lugar ou espaço além de sua absoluta inadequação. Restava-lhe apenas desenraizar-se. Assim o fez. Cortou a árvore pela raiz, fez dela uma cruz e a carregou para sempre.